quinta-feira, outubro 21, 2010

Eu Vivo no Estômago

É o estômago. Eu vivo no estômago. E neste momento ele está apertado, contraído. Tenho a sensação de querer vomitar, mas a razão para isso não é clara e por isso não vomito. Vomitar sem uma razão clara seria assumir o fim e eu ainda não quero que acabe, ainda estou agarrado a mim pelas pontas dos dedos. Mas o estômago aperta, e aperta cada vez mais ou cada vez o sinto com mais consciência.
Assim que fico só, ele aperta. Faz-me querer morrer. Faz-me querer parar esta dorzinha que se torna insuportável. Este cansaço de a sentir. Estou perdido. E não há mapa que me ajude. Perdido como sempre estive, mesmo quando estava esquecido disso. Não tenho nada. Uma mão cheia de nada, que me faz apertar o estômago, e o saber de que já nada cola. Tudo se desfaz. Não há uma coisa que me faça viver. Nada que me dê sentido por mais que umas horas. Estou condenado ao desamparo. Condenado a ser mais um entre os muitos. Mais uma sombra no meio dos vultos que deambulam por aí, sem norte nem sentido. Sem força de ser o quer que seja. Desacreditado de tudo. Um ser em convulsões de corpo preste a morrer. Um ser que me estrangula o estômago no desespero de se mostrar. Estou sem forças. Não tenho porque me mexer. (Pelo menos agora). As mulheres fazem-me querer mexer ao mesmo tempo que o estômago é estrangulado com mais força. Ao me mexer a ausência de sentido revela-se. Estou-me a mexer para quê? Porquê? Será que é isto que quero. Será que é isto que sinto. Não será melhor voltar a sentar ou a deitar? E deixar tudo como está, na calma do jorrar interior do meu sangue.Mas este estado também é passageiro. Daqui a pouco, uma qualquer vontade, nem que seja a de ficar de pé, toma conta de mim e faz-me mexer e faz-me doer. Pergunto-me sobre como posso suportar isto. A ideia de futuro faz-me pensar em suicídio. Não encontro resposta, a não ser este espernear que me faz escrever ou aquele momento de descanso onde me esqueço num qualquer entretem. Mas até esses entreténs estão a deixar de ter efeito, mesmo entretido sinto o estômago, sinto o seu apertar intolerante, que talvez me queira lembrar que estou vivo e que estar vivo é dor, é frustração, é desespero, é sofrimento, é desilusão. Acho que me quer testar. Quer-me provocar. Quer que eu o pare. Quer que o silencie. Este monte de ossos não faz nenhum sentido. Este corpo-dor não tem sentido. Dou por mim a fazer algo de espontâneo. Dou por mim com uma máquina no colo e a bater-lhe com a ponta dos dedos para que desenhos de dor apareçam numa luz branca e mágica. Dou por mim sem posição para estar. Sem saber como devo estar. Qual a forma de causar menos dano. Menos dor agora e menos dor no futuro.
Este corpo é absurdamente estranho com estas duas tarântulas que mexem às minhas ordens. Com estas dores que surgem e que me fazem sentir o sangue no seu vaivém doentio. Esta coluna de ossos que curva e se cansa de existir. E o sangue que bomba sem cessar. E eu sou isto. Este milagre doente que decai a cada respirar. Esta coisa que quer sem saber o que querer.
Acho que estou apaixonado.

2 comentários:

  1. Apaixonado??? Esse texto é desconcertante. A percepção que tive foi de que vc teria sido acometido por esse mal da modernidade, a solidão, ou seja lá que mal for... uma busca desenfreada por alguma coisa. Não sei sua condição, pensei que quissesse se apaixonar. Mas confesso que o "acho que estou apaixonado" foi um desfecho impactante. Hasta la vista!

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  2. P. Cristina Sousa Ramos24 de outubro de 2010 às 23:27

    Depois de uma dor cartesiana-heideggeriana, uma conclusão super surpreendente. Surgida do nada ou do tudo que aí está?! A questão que agora se coloca é: por quem? xD

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