segunda-feira, setembro 27, 2010

.

O que é um homem?

Para começar é preciso esquecer tudo o que nos foi dito até agora. Vamos esquecer o animal racional de Aristóteles. O ser de impulsos sexuais de Freud. E o ser que age com o único objectivo de ter mais poder, de Nietzsche. Esqueçamos também mais alguma resposta que veio ter aos nossos olhos ou ouvidos. Esqueçamos, ainda, uma ou outra conclusão que tenhamos tirado de alguma reflexão própria sobre aquilo que lemos ou ouvimos.
Se tentarmos esquecer tudo isso, por alguns instantes, o que podemos responder à pergunta inicial?
Para ser sincero, ao realizar este exercício só me ocorrem mais ideias que ouvi ou que li. Nada de original me ocorre. Talvez a pergunta esteja demasiado batida, podemos mesmo chamar-lhe lugar-comum. É pergunta central de qualquer disciplina que se designe por antropológica, consequentemente várias são as maneiras de olhar para ela e de lhe tentar dar resposta. Mesmo assim, nenhuma por si só, nem todas em conjunto conseguem satisfazer-nos.
Então, afinal, o que será isso a que se chamamos homem. Será que o termo homem está cheio de ideias e palavras que nele se foram sedimentando com o tempo? E que por isso não conseguimos ver mais do que aquilo que já foi visto? Haverá a hipótese de um novo olhar que veja aquilo a que chamamos homem? E que consiga, na sua originalidade, ver realmente o que é? Ou que percepcione e entenda que a pergunta sobre o que é (a essência) é um passo de retórica e que a existência, muito ao jeito de Sartre, é desprovida de palavras e que estas são apenas véus que cobrem as coisas e que se estivermos atentos à “naúsea” acabaremos por as ver cair, despedaçando o mundo que conhecemos até agora, e que numa reacção de medo, vamos tentar colocá-las, de novo, a cobrir as coisas para que o conforto que existia volte, mas elas já nunca mais vão fixar-se.

A pergunta mantém-se e eu não consigo encontrar nenhuma resposta original.

sexta-feira, setembro 24, 2010

Melodia

Aquele som. Que me mexe e remexe, sinto a barreira essa pairando lá no alto, que colapsa estrondosamente no embate que quebra o seu silêncio. Sou levado e vou, vou nessa onda que vibra como galhos verdes de outono que teimam em desabrochar. Estala estonteante, mas que som! Sim, apodera-se de mim aquela sensação arrebatante que ao principio ousei desprezar. "Não, será apenas só mais outro som. Como imensas livrarias que se fariam estender pelas maiores cidades do mundo. Encobrindo até esse que é omnipotente, esse que é sol." Tudo! Tudo se envolve como que se uma sanguessuga posicionada no ponto central exacto do quadro que é a fantástica vida, a chupasse aqui mesmo! Agora! É agora, apercebo-me! Está a acontecer. O bombardeamento selvagem atacante sem dó nem piedade. Não poupa ninguém? Não vejo ninguém! Não o sei precisar ou imaginar! Agora não! Agora sou eu e este som, que vibra, que me possui corpo e alma! Não creio! Não posso crer, digo até, que algo tão devastador e insaciável se apodere apenas de um só órgão que compõe este que é o meu corpo humano. Impossível exclamo! Não me dirão que os causadores deste trance a que já me habituei e me descontrolo são os ouvidos por si só! Caio então nele, rebolo desamparado à medida que o som volta a subir de intensidade! E com o som trás cores, trás imagem! Trás sentimento, trás emoção! Trás tacto, trás cheiro! Mas que som esse! Vejo o mundo a 100 à hora! Tudo passa sem que nada se aperceba de mim! Mas eu, ò eu! Que de percepção aguçada por esse som tudo vejo! Tudo vejo a passar e não o quero parar. Não posso assumir qualquer tipo de compreensão à medida que caio! Mas desbasta-me então à medida que o corpo acusa excesso. A que me pego eu? A que me seguro? Haha! "A nada!" me exclamo por entre a euforia! E então agora rendido me balanço. Mexo-me como nunca me mexi antes. Expressando um desenho abstracto numa tela invisível. Desenho eu todo! Eu que agora rendido me balanço. Solto o braço no ar respondendo à bombada mais forte, mais guerreira do bass! Atiço esse dialogo flamejante mostrando o fraco e impotente que sou perante tão grandioso som. Salto. Deslizo. Estalo os dedos para acertar a batida incerta que insiste em desbravar. Abano a cabeça ainda que a cabeleira não esvoace.
Quão flamejante e intenso! Quão não tarda a soltar-se a última batida. A majestosa última batida que acerta pela última vez o passo ao coração.
É neste desfechar de luzes que agora o maestro pede a sua ovação.
Mas eu não, não me levantarei rendido que estou neste chão. Solto um riso fechado à medida que fecho os olhos. Agarro os joelhos como quem ousa vir à vida e abandono o meu corpo, ciente do grandioso momento que acabara de violar o meu corpo.

sexta-feira, setembro 10, 2010

A beleza de um osso

Céu negro.
Tudo luz sobre o foco desse olhar.
Na cidade, mais três pessoas morrem agora.
Nunca pensaram nesse destino conjunto.
Nunca se viram.
Mais de mil bebés vêem pela primeira vez alguém.
Em nós, o sangue continua a correr.
Uma história silencia-se num ouvido.
A faca que matou não tem consciência disso; o golpe também não.
Estava escuro, e o medo encontrou aí terreno fértil para germinar.
Ouço um grito; de Alegria.
Alguém se veio na sua solidão.
Às vezes parece mesmo que estou vivo; Disse-me o vizinho que já se tentou matar 3 vezes.
As ilusões iluminam-te a vida; respondi eu.
Todos nós somos cegos.
Agora, alguém morre em agonia, mas o teu mundo não se altera. Talvez a seguir sejas tu.
Os pensamentos dão-te sono. A cocaína faz-te mexer.
Mas tu continuas pelo caminho.
Tens esperança nalguma coisa.
Alguém se esqueceu de dizer brincadeira depois de falar contigo.
Chegaram mais homens.
O horror carrega a escuridão.
Mais homens mais problemas.
Eis a matemática essencial.
O amor é medo. O medo é amor.
Uma coisa cresce dentro de ti.
Sabias que o céu pode ser apenas uma ideia?
Há coisas em que nunca pensaste.
Pensaram-nas por ti.
Alguém cagou fora da sanita.
E é feliz.
A noite está linda, e ouvi dizer na televisão que morreram mais de mil tal.

quinta-feira, setembro 02, 2010

Quarta à noite

São sempre salas e objectos aquilo que me rodeia. Salas cheias de tudo menos de gente. Só eu aqui estou. Sentado ou deitado. E de todas as formas possíveis eu tento fugir a essa situação. Livros. Computadores. Memórias. Fantasias. Tudo me serve para não cair no que sou e onde estou.
E o que sou? Um homem só, que não sabe ser de outra forma. E onde estou? Estou nesta sala como em tantas outras. E só eu estou aqui.
Não quero companhia de memórias por muito confortáveis que sejam. Hoje quero estar aqui. A sentir esta ausência de gente e a matar ideias reconfortantes que sem serem provocadas surgem para apaziguar o mal-estar de estar só.