Cresceu e morreu no mesmo instante. Foi assim que Ruben compreendeu a vida do seu gato, que morrera hoje aos 10 de idade. Todos aqueles anos parecem ter sido um instante. Parece que foi ontem o dia em tinha o pequeno gato fechado nas suas mãos de modo a torná-lo cárcere do seu carinho e adicto ao seu calor.
Morreu hoje, 10 anos e 26 dias depois de ter sido atirado para este espaço. Ruben chora. Nunca nada nem ninguém lhe tinha morrido durante os seus 16 anos de vida. As lágrimas caíam da sua face, tal como se de uma fonte de água cristalina se tratasse. O seu soluçar era ritmado, tambor de vida vibrando no interior do seu corpo. A ideia da morte corre-lhe pelas veias deixando uma sensação de desespero por onde passa. Ruben rende-se ao desespero e considera a hipótese de arrancar o peito para aliviar a dor. Deus ausentou-se. Resta nele a dura existência da perda.
O gato está estendido na sua alcofa, um corpo sem vida coberto de pêlo. É bela a imagem de um corpo que deixou de possuir vida tornando-se apenas mais um dos objectos inanimados do mundo. Ruben não consegue ver isso, o seu olhar não se consegue libertar da memória, que lhe traz, para castigo do seu coração, as imagens e sensações dos momentos passados em conjunto.
Ruben não aguenta mais, deita-se na cama e enrola-se na tentativa de controlar a dor que lhe domina o peito. As unhas estão cravadas na pouca carne que possui nas pernas e as lágrimas correm num fio consistente. Ele sente-se a transformar em algo de horrível. Sente que um novo ser aparece no seu interior, algo de novo, mas ao mesmo tempo antigo. Uma mutação.
Num salto ele levanta-se da cama e coloca-se em frente ao corpo morto. Algo o força a pegar no gato, ele não tem a certeza do que o está a impulsionar, mas sente-se poderoso de uma forma que nunca antes tinha sentido. Neste momento ele é livre de incertezas, o que quer é o que faz, deixou de existir margem para dúvidas ou hesitações. Desta forma, tudo o que faz é inteiro e transborda de certezas.
De um rasgo, pega no gato e, movido pela vingança, segura-lhe em cada uma das patas superiores, num instante, cerra os dentes e de um só movimento rasga o animal em dois. Numa mão, fica uma das patas do gato, na outra, encontra-se o restante corpo. Ele demora-se a observar a ruptura que tinha forçado, os delicados pormenores daquela separação. Mas isso não era suficiente, ele queria mais. Ele queria ver mais, ele queria mais vingança. Ruben encontra-se possuído por uma raiva incontrolável, o gato não tinha o direito de morrer e de o deixar naquele estado.
Um estrondo surdo fez estremecer o quarto e encheu todos os recantos com loucura. Ruben abriu os olhos e olhou para o relógio, passam 5 minutos das 8 horas da manhã. Olhou para o lado esquerdo da cama e viu o gato a dormir tranquilamente, reparou, então, que se tinha perdido novamente no sonho real do existir.